1 RELATÓRIO
Tratam os autos de processo administrativo instaurado em virtude de memorando, no qual a Diretoria de Dívida Ativa e Arrecadação solicita à Procuradoria Geral do Município (PGM) orientação sobre como proceder em relação à possibilidade de emissão de Certidão Negativa de Débitos Tributários (CND) para os arrematantes após a arrematação de imóveis cujos Códigos de Cadastro Imobiliário (CCIs) constam débitos ainda não quitados pelo produto obtido com a alienação judicial dos bens.
Feito o relatório, passo a opinar.
2 DA SITUAÇÃO JURÍDICA DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS MUNICIPAIS QUANDO DA ARREMATAÇÃO JUDIDCIAL DE BENS IMÓVEIS
Regra geral, quando há a arrematação judicial de bem imóvel, ocorre a sub-rogação real dos créditos tributários no montante apurado pela alienação do bem, conforme disposto no art. 130, parágrafo único, Código Tributário Nacional (CTN):
Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.
(Código Tributário Nacional – grifo meu)
Significa isso que, com a arrematação do imóvel, o pagamento dos créditos das espécies tributárias indicadas no art. 130, CTN deixa de ser garantido pela sub-rogação pessoal na pessoa do arrematante (responsabilidade tributária por transferência, na modalidade de sucessão imobiliária, atribuindo a este a condição de sujeito passivo da obrigação), conforme o caput do dispositivo, para recair apenas sobre o valor pago em juízo, liberando o adquirente dos ônus incidentes sobre o imóvel.
De acordo com a doutrina, a previsão legal visa estimular a arrematação de imóveis, facilitando a obtenção de melhores lances e, assim, a satisfação de créditos pela via da excussão judicial de bens dos devedores acionados em juízo[1].
Ocorre que, na hipótese de o edital do leilão judicial prever a existência de tributos relativos ao imóvel, deixa de existir as razões que beneficiam a exclusão da sub-rogação pessoal dos débitos tributários quanto ao arrematante, que, ademais, passa a ter ciência inequívoca dos ônus que recaem sobre o bem adquirido.
Em casos tais, inclusive, prejudica-se a quitação dos débitos tributários por meio do valor apurado em juízo (sub-rogação real), eis que, demonstrados os ônus sobre o imóvel, a experiência demonstra o montante menor dos lances efetivados no leilão judicial para a arrematação do bem.
Atento a essas circunstâncias, a jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) excepciona a regra do art. 130, parágrafo único, CTN, afirmando que, quando há previsão no edital a respeito da existência de débitos tributários em relação ao imóvel submetido à arrematação judicial, há tanto a sub-rogação real quanto a sub-rogação pessoal dos débitos tributários, na pessoa do arrematante:
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. HASTA PÚBLICA. EDITAL. OMISSÃO. ANULAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. NECESSIDADE. RESPONSABILIZAÇÃO DO ARREMATANTE POR DÉBITOS DE IPTU. POSSIBILIDADE. POSTERIOR FALÊNCIA DA EMPRESA DEVEDORA. IRRELEVÂNCIA. 1. O art. 686 do CPC estabelece o conteúdo mínimo do edital de hasta pública, visando preponderantemente aos interesses dos potenciais arrematantes, de modo a conferir-lhes informações indispensáveis à definição do efetivo interesse no bem levado a leilão, bem como do valor máximo que estarão dispostos a oferecer a título de lanço. De regra, pois, eventual nulidade relacionada à omissão do edital aproveita apenas ao arrematante e depende da demonstração da existência de prejuízo, sendo incabível tal alegação pelo devedor que não foi prejudicado. 2. Não viola o art. 130 do CTN o edital de hasta pública que prevê a responsabilidade do arrematante por débitos fiscais de IPTU. Assumindo o arrematante do imóvel a responsabilidade pelo pagamento do IPTU, o Município passa a ter dupla garantia de quitação da dívida tributária, quais sejam: (i) a garantia pessoal do arrematante, aceita judicialmente por ocasião da arrematação; e (ii) a garantia real representada pelo imóvel arrematado, que dá origem ao próprio débito de IPTU. 3. Tendo a arrematação ocorrido mais de 06 meses antes da falência da empresa devedora, o imóvel arrematado não integrará a massa falida, eis que terá deixado o patrimônio da empresa antes da decretação da quebra. Assim, não se poderá falar em prejuízo aos credores, muito menos em habilitação do crédito relativo ao débito de IPTU, pois a dívida do Município terá como sujeito passivo o arrematante, novo proprietário do imóvel. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1316970/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 07/06/2013)
LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. HASTA PÚBLICA. ARREMATAÇÃO. IMÓVEL COM DÉBITOS RELATIVOS AO IPTU. MENÇÃO EXPRESSA NO EDITAL DE PRAÇA E NO AUTO DE ARREMATAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que o arrematante recebe o imóvel livre de quaisquer ônus, porquanto, havendo alienação em hasta pública, transfere-se ao credor o saldo após dedução dos impostos, no limite da arrematação. 2. No caso de expressa menção da existência de ônus sobre o bem levado à venda pública, em estrita observância ao disposto no artigo 686, inciso V, da Lei Adjetiva Civil, caberá ao arrematante a responsabilidade pela quitação dos impostos devidos. Precedentes. 3. Recurso especial improvido. (REsp 799666/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 14/09/2009)
RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO - PRAÇA - ARREMATAÇÃO - DÉBITOS FISCAIS E CONDOMINIAIS - RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE, DESDE QUE HAJA PREVISÃO EXPRESSA NO EDITAL - PRECEDENTES DO STJ - HIPÓTESE OCORRENTE, NA ESPÉCIE - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO - RECURSO IMPROVIDO. I - Em regra, o preço apurado na arrematação serve ao pagamento do IPTU e de taxas pela prestação de serviços incidentes sobre o imóvel (art. 130 e 130, parágrafo único, do CTN); II - Contudo, havendo expressa menção no edital acerca da existência de débitos condominiais e tributários incidentes sobre o imóvel arrematado, a responsabilidade pelo seu adimplemento transfere-se para o arrematante; III - No tocante ao alegado dissídio jurisprudencial, é certo que não houve cotejo analítico, bem como não restou demonstrada a perfeita similitude fática entre o acórdão impugnado e os paradigmas colacionados; IV - Recurso especial improvido. (REsp 1114111/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, DJe 04/12/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - HASTA PÚBLICA - ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL - TRIBUTOS - RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE, QUANDO HÁ EXPRESSÃO PREVISÃO NO EDITAL DO LEILÃO - DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL POR INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 83 DA SÚMULA DO STJ.
INSURGÊNCIA DO DISTRITO FEDERAL.
1. O Tribunal de origem consignou que o edital do leilão foi expresso quanto à responsabilidade do arrematante sobre os débitos que recaíssem sobre o imóvel, incluindo os relativos a impostos, bem como a inexistência de reserva sobre parte do preço ofertado para a quitação dos débitos.
2. Fixadas tais premissas, as quais não podem ser alteradas em sede de recurso especial, ante o óbice do enunciado nº 7 da Súmula do STJ, observa-se que o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que, havendo previsão expressa no edital do leilão, a responsabilidade pela quitação dos débitos existentes sobre o imóvel, inclusive quanto aos tributos, é do arrematante. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1168950/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014)
Portanto, nessas hipóteses, verifica-se uma dupla garantia à Fazenda Pública para a satisfação dos débitos tributários.
No caso de ausência da dupla garantia, se o edital do leilão não informar a existência de débitos tributários em relação ao imóvel, as determinações judiciais, após a arrematação, de liberação dos ônus incidentes sobre o bem, não significam que os magistrados estão reconhecendo a quitação dos débitos respectivos; trata-se apenas do reconhecimento de inexistência de responsabilidade tributária por transferência na modalidade de sucessão imobiliária, prevista no art. 130, caput, CTN, para os arrematantes.
Portanto, em relação aos débitos tributários dos imóveis que se refiram a fatos geradores ocorridos anteriormente à arrematação, o Município deve fornecer a CND respectiva ao arrematante e eventuais sucessores deste.
Sobre a situação, contudo, cabe alertar que:
a. tal situação não implica a baixa, no sistema, dos débitos tributários respectivos, relativos aos CCIs em questão, até que haja a satisfação dos créditos municipais, seja pela utilização do produto da arrematação, seja pela cobrança efetivada em relação ao executado que teve o bem alienado jucidialmente, ou outra forma de quitação;
b. as determinações judiciais em questão não impedem que os imóveis continuem gerando débitos tributários próprios do arrematante, cujos fatos geradores sejam posteriores à arrematação, ocasião em que, caso não haja o pagamento no prazo legal, a recusa de emissão de CND ao arrematante não será contrária às decisões respectivas;
c. é importante manter, no sistema de arrecadação municipal, as informações relativas a quais imóveis se reportam as dívidas tributárias em questão, não sub-rogadas na pessoa do arrematante, eis que importante saber o fundamento da dívida para a regular cobrança e eventuais defesas judicias.
3 DA REGULAR INCIDÊNCIA DO ITBI SOBRE A ARREMATAÇÃO DE BENS IMÓVEIS
Cumpre ressaltar que as considerações aqui feitas, com relação à sub-rogação meramente real dos débitos tributários nas arrematações judiciais, como regra geral (art. 130, caput, CTN), não impede a regular incidência do ITBI sobre a aquisição judicial do bem, nos termos do art. 35, I, CTN e art. 25, I c/c art. 26, VI, Lei Complementar Municipal nº 285/2013.
4 DAS PROVIDÊNCIAS PARA CONTESTAR A DESVINCULAÇÃO
No memorando que instaurou o presente processo administrativo, a Diretoria de Dívida Ativa e Arrecadação também solicita à PGM que sejam adotadas as providências para questionar a desvinculação dos débitos tributários determinada pelos magistrados.
Sem prejuízo de posterior gestão junto aos juízes para que deixem de determinar a baixa dos débitos tributários quando os ônus respectivos constarem dos editais de leilão judicial, conforme entendimento firmado pelo STJ, em relação a processos futuros, destaca-se ser possível, em tese, a interposição de recurso contra tais decisões, por se tratar o Município de terceiro prejudicado (art. 1.015, parágrafo único c/c art. 996, ambos do CPC/15).
Contudo, como o terceiro prejudicado tem o mesmo prazo recursal que as partes para poder questionar a decisão (STF. RE 167787 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/04/1995, DJ 30-06-1995 PP-20451 EMENT VOL-01793-12 PP-02343; STJ. AgRg no Ag 1219570/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 10/03/2010), em relação aos processos administrativos em apenso não há mais possibilidade de insurgência eficaz contra as decisões que reconheceram a inexistência de responsabilidade tributária dos arrematantes, eis que transcorrido o prazo respectivo.
Assim, na hipótese de intimação diretamente à Secretaria Municipal de Finanças para a expedição da guia para o pagamento de ITBI relativo à arrematação de bem imóvel, solicito que seja oportunamente comunicada a PGM para a análise de eventual possibilidade de recurso quanto à questão, averiguando-se se o edital do leilão previa a existência de débitos tributários sobre o imóvel arrematado.
5 DAS CONCLUSÕES
Ante o exposto, em atenção ao constante no memorando que instaurou este processo administrativo, expresso a seguinte opinião jurídica sobre as questões submetidas à análise:
d. como regra geral, na hipótese de arrematação judicial de bem imóvel ocorre a sub-rogação dos créditos tributários municipais sob o respectivo preço da aquisição (art. 130, parágrafo único, CTN), não se aplicando a responsabilidade tributária do adquirente prevista no caput desse dispositivo;
e. excepcionalmente, na hipótese em que o edital do leilão informar a existência de débitos tributários sobre o imóvel, há, conforme entendimento do STJ, dupla garantia para a satisfação dos créditos da Fazenda Pública, eis que, além de o produto da arrematação poder ser utilizado para a quitação dos débitos, ocorrerá normalmente a atribuição de responsabilidade tributária ao adquirente;
f. no tocante aos processos administrativos cujas cópias seguem apensas, em relação aos débitos tributários dos imóveis que se refiram a fatos geradores ocorridos anteriormente à arrematação, o Município deve fornecer a CND respectiva ao arrematante e eventuais sucessores deste;
g. tal situação (item “c”) não implica a baixa, no sistema, dos débitos tributários respectivos, relativos aos CCIs em questão, até que haja a satisfação dos créditos municipais, seja pela utilização do produto da arrematação, seja pela cobrança efetivada em relação ao executado que teve o bem alienado jucidialmente, ou outra forma de quitação;
h. o disposto no art. 130, parágrafo único, CTN, não impede a regular incidência do ITBI sobre a aquisição judicial do bem, nos termos do art. 35, I, CTN e art. 25, I c/c art. 26, VI, Lei Complementar Municipal nº 285/2013;
i. as determinações judiciais em questão não impedem que os imóveis continuem gerando débitos tributários próprios do arrematante, cujos fatos geradores sejam posteriores à arrematação, ocasião em que, caso não haja o pagamento no prazo legal, a recusa de emissão de CND ao arrematante não será contrária às decisões respectivas;
j. é importante manter, no sistema de arrecadação municipal, as informações relativas a quais imóveis se reportam as dívidas tributárias em questão, não sub-rogadas na pessoa do arrematante, eis que importante saber o fundamento da dívida para a regular cobrança e eventuais defesas judicias;
k. sem prejuízo de posterior gestão junto aos magistrados para que deixem de determinar a baixa dos débitos tributários quando os ônus respectivos constarem dos editais de leilão judicial, conforme entendimento firmado pelo STJ, em relação a processos futuros, destaco ser possível, em tese, a interposição de recurso contra tais decisões, por se tratar o Município de terceiro prejudicado (art. 1.015, parágrafo único c/c art. 996, ambos do CPC/15), diligência que compete à PGM;
Ademais, solicito que, na hipótese de intimação diretamente à Secretaria Municipal de Finanças para a expedição da guia para o pagamento de ITBI relativo à arrematação de bem imóvel, seja oportunamente comunicada a PGM para a análise de eventual possibilidade de recurso quanto à questão, averiguando-se se o edital do leilão previa a existência de débitos tributários sobre o imóvel arrematado.
É o parecer, salvo melhor juízo.
[1] “Se o bem imóvel é arrematado em hasta pública, vinculado ficará o respectivo preço. Não o bem. O arrematante não é responsável tributário (CTN, art. 130, parágrafo único). A não ser assim, ninguém arremataria bens em hasta pública, pois estaria sempre sujeito a perder o bem arrematado, não obstante tivesse pago o preço respectivo” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 26. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 160)
Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Procurador Municipal em Palmas/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEIRA, Renan Sales de. Responsabilidade tributária na arrematação de bens imóveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/peças jurídicas/50990/responsabilidade-tributaria-na-arrematacao-de-bens-imoveis. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Conteúdo Jurídico
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